quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

EDUCAÇÃO SOMÁTICA: o agora-simultaneamente-imediato-presente-interligado.

Hellen Katiuscia de Sá




“Para ser grande, sê inteiro: nada teu exagera ou exclui. Sê todo em cada coisa. Pões quanto és no mínimo que fazes. Assim em cada lago a lua toda brilha, porque alta vive...” (Ricardo Reis – heterônimo de Fernando Pessoa).





Resumo:
Este trabalho discorre sobre a Educação Somática e sua aplicação como atividade pré-expressiva no campo de estudos e pesquisas que envolvem Teatro e Dança. O artigo enfoca e apresenta o surgimento do termo ‘Pensamento Somático’ como uma consequência motivada (e que extrapola) os estímulos da consciência do movimento no ator-bailarino, ajudando o indivíduo a fazer conexões de ideias que o auxiliam na compreensão de qualquer acontecimento histórico-social relacionado à manifestação artística enquanto linguagem cultural envolvendo outros fatores que dialoguem para sua ocorrência, tais como: aspectos políticos, econômicos, educacional, etc.



Palavras-Chave: Educação Somática; Subjetividade; Pensamento Somático.



Imagine que existam técnicas corporais para que alunos de dança e/ou teatro possam ao mesmo tempo condicionar o corpo, aprimorar seu estado de presença cênica e também aprender a movimentar conscientemente sua musculatura em prol de algo além do movimento coreografado, ajudando o artista a conectar-se com seu estado de plena ‘expressividade’ interior através da CONSCIÊNCIA CORPORAL. Essa é a proposta da Educação Somática aplicada à Dança.
O termo veio à tona em 1983 num artigo escrito por Thomas Hanna, publicado na revista cientifica Somatics. Neste artigo seu autor afirmava que Educação Somática é “a arte e a ciência de um processo relacional interno entre a consciência, o biológico e o meio-ambiente. Estes fatores vistos como um todo agindo em sinergia.” (HANNA, 1983, p.7).
Entretanto:
[...] historicamente, os métodos de Educação Somática começam a ser estruturados na Europa e em seguida na América do Norte, um pouco antes da Primeira Guerra Mundial. Seus criadores são, em sua maior parte, cientistas e artistas. Os métodos são criados por ocidentais para ocidentais. Uma primeira diferença: embora o campo da Educação Somática postule que o homem é um ser total – corpo, mente e espírito – e que o corpo é indissociável da consciência, nenhum dos métodos é ligado a um sistema religioso em particular como o hinduismo, a vedanta ou o taoismo. Uma das especificidades da Educação Somática é que nenhum de seus métodos pede do aluno a maestria da forma. A tônica das aulas de Educação Somática é uma exploração dos movimentos propostos e não o aperfeiçoamento de posturas ou coreografias fixas. (BOLSANELLO1, 2008, pp. 2-3)

Como um campo de estudos teórico-prático que se interessa pela consciência do corpo através da reeducação do individuo enquanto observador de si mesmo, a Educação Somática vale-se de diferentes técnicas tais como: Pilates, técnica de Alexander, Feldenkrais, Ginástica Holistica, Antiginástica, Yoga, etc, sendo que cada uma possui seus próprios princípios e estratégias pedagógicas objetivando a reeducação do movimento, promovendo a subjetividade, a inteligência do gesto e a singularidade do corpo em sua individualidade.
Em outras palavras: a Educação Somática abre caminho para que o artista da cena consiga desconstruir um corpo antes adestrado, preso e moldado por formas de danças coreografadas e/ou formas condicionadas exteriores à sua real expressividade enquanto individuo, para que ele – explorando sua potencialidade interior através do movimento corpóreo –  possa delinear sua própria escrita cênica através do gesto livre, fluente através da respiração orientada pela consciência plena de seu corpo, gerando uma subjetividade escrita para a cena. Pode parecer meio confuso para quem não faz dança ou não vai ao palco como ator.
Entretanto, por muitos séculos a arte dramática e a dança, principalmente, foram engessadas  por movimentos, truques e posturas antinaturais e rígidas, tornando-os artificiais ou sem verdade cênica. Algo bonito, porém sem alma; isto porque seus interpretes executavam com virtuosismo, com maestria e exatidão o movimento apenas de fora para dentro, desligados do que o gesto executado significava para eles fora do contexto da peça ou coreografia; e por isso mesmo um movimento desconectado da subjetividade de seu interprete.
Essa subjetividade é solicitada quando o professor de Educação Somática pede aos alunos para executarem exercícios que demandam além do esforço físico e da consciência do movimento, a imaginação do individuo para poder executá-los, e com isso a tecnologia interna (conexões neurais e musculatura parassimpática) é acionada abrindo espaço para que novas formas de conhecimentos cognitivos venham à tona possibilitando a desconstrução da ‘couraça’ que nos impede de usar novas percepções de nós mesmos e de mundo. Sim! Porque a Educação Somática não se restringe apenas ao corpo físico, ela abraça tudo que está no individuo desde o conhecimento cognitivo, motor, sensorial, afetivo e espiritual e com isso dilata a compreensão do que está fora do individuo aparentemente, pois tudo está conectado: o meio interno e externo.

Ampliar a noção de corpo. Descobrir que é possível se resgatar a autenticidade somática, tantas vezes deformada por valores socioculturais. O professor de Educação Somática propõe ao aluno movimentos estruturantes visando direção e alinhamento da estrutura óssea; posturas visando um alongamento fino, solicitando os músculos “internos”, tendões e fáscias; movimentos que utilizam a imaginação e transformam a imagem corporal; exercícios lúdicos com a função de regular o sistema nervoso; sequências de movimentos inusitados visando a desconstrução de padrões motores fixos. Reaprender significa desafiar velhos padrões cognitivos para que o cérebro faça novas conexões neurônicas. Mas, como é possível abandonar nossas couraças de defesa se vivemos em um contexto de violência, pressionados pela competição profissional, duros de medo, impotentes diante da injustiça social e violados pela poluição? O que fazer quando as mudanças que vivemos nas aulas de Educação Somática entram em conflito com o estilo de vida que temos? Feldenkrais costumava dizer que quando só conhecemos uma maneira de fazer algo, estamos presos a um padrão. Mas, se conhecemos duas maneiras de fazer algo, temos escolha. E se conhecemos três maneiras de fazer algo? Temos liberdade. (BOLSANELLO, 2008, p. 2).

Na historia do desenvolvimento das técnicas utilizadas na Educação Somática, o caráter desafiador da medicina tradicional foi o carro-chefe dos ditos ‘reformadores do movimento’, como endossa Márcia Strazzacappa2; como no caso das técnicas desenvolvidas pelo alemão Joseph Pilates (1880 – 1967); um homem que tinha a saúde fraca, com problemas ósseos seríssimos, fator que o forçava permanecer numa cama maior parte do dia. Em sua infância ele foi assolado pela asma, raquitismo e febre reumática. Durante a I Guerra Mundial, Pilates foi preso na Inglaterra, como cidadão alemão foi considerado inimigo daquela Nação. E na sua cela, ele começou a explorar e criar movimentos adaptados para não sucumbir às suas enfermidades.
Pilates inicia sua trajetória de autoconhecimento através de seus movimentos corpóreos: descobriu novas formas de se exercitar e também estimular e recuperar músculos atrofiados promovendo uma reabilitação e reequilíbrio a ponto de levantar-se da cama e resgatar plenamente sua saúde. E atualmente o mundo conhece as técnicas de Pilates, cuja finalidade não é exatamente para fins estéticos, e sim para reabilitação e correção postural do individuo.

Os reformadores do movimento não tinham como objetivo o desenvolvimento de técnicas terapêuticas, nem queriam questionar as práticas médicas de sua época. O objetivo deles era encontrar soluções para seus respectivos problemas. No entanto, ao iniciarem suas pesquisas e definirem seus métodos, as aplicações terapêuticas e as críticas às práticas já existentes acabaram sendo uma consequência quase inevitável. (STRAZZACAPPA, 1998, p. 50).

Outro exemplo de técnicas terapêuticas utilizadas em Educação Somática que emergiram por motivos pessoais de superação de problemas de saúde não contemplados pela medicina tradicional, são as técnicas desenvolvidas por Moshe Feldenkrais (este teve um problema grave no joelho), por Mathias Alexander (um ator que perdeu a voz), dentre outros exemplos de indivíduos insatisfeitos com o diagnóstico fatalista da medicina corrente de sua época.
Além da questão da saúde (esta porém, não necessariamente regra), outro fator observado no desenvolvimento das técnicas hoje utilizadas em Educação Somática, é a questão de o conhecimento partir empiricamente após experiências concretas e corporais dos reformadores do movimento, onde o  fator sensorial é amplamente levado em consideração para a formulação do conhecimento; esta consequência soma-se à tríade que corresponde os pontos em comum para o surgimento das técnicas: o pensamento fundador da unificação corpo/espírito na soma das partes componentes do ser humano.
Desse modo observam-se os pontos em comum, que naturalmente concorreram para o surgimento das abordagens  em Educação Somática:
a) a maioria das técnicas em Educação Somática surgiu da vontade de solucionar um problema de saúde não contemplado pela medicina tradicional;
b) a pesquisa empírica,  que tomou a concepção do ‘corpo enquanto experiência’, (conceito central da pedagogia aplicada em Educação Somática, termo proposto pela Fenomenologia –  corrente filosófica desenvolvida por Merleau-Ponty, cuja compreensão do conhecimento também é apoiada sobre a referência epistemológica do construtivismo da educação), onde através da prática e/ou do experimento segue-se a teorização do que foi visto;
c) o pensamento holístico de que a unidade corpo/espírito deve igualmente ser tratada conjuntamente e não um apartado do outro. ‘Corpo’ e ‘Espirito’ compõem o ser humano, estão juntos neste grande veículo de estímulos, porém, devem ser abordados de forma diferenciadas, posto que têm particularidades distintas.

Posso dizer que as consequências de minhas aulas de Educação Somática na Dança ramificaram-se para outros pontos de percepção, além da consciência do movimento. Isso se deve ao caráter holístico das atividades teórico-práticas. Em sala, após lermos e discutirmos alguns textos de Débora Bolsanello, ficou evidente esse olhar dilatado para dentro e fora de mim, coisa que eu chamo de pensamento somático. E por tratar-se dessa compreensão interligada onde as partes e o todo são igualmente apreendidos, já percebo com outra compreensão coisas fora do campo da dança ou restrito à consciência do movimento, que a priori, estariam relacionados à finalidade dos exercícios em Educação Somática na Dança.
Por exemplo, consigo analisar situações cotidianas, ou fazer conexões mentais de outras manifestações artísticas (que não a dança ou algo relacionado à prática física do corpo) mediante um pensamento somático, porque através da consciência dos movimentos de meu corpo físico foi acionado outras formas cognitivas de percepção. O que gera algum sentimento ou inquietação mais sutis, é percebido por outras vias. Essa sensibilização para absorver esse ‘algo inteligível’ do cotidiano e leituras de outras manifestações artísticas, dialoga com os objetivos holísticos que se destinam a Educação Somática.

A particularidade da Educação Somática é a transmissão de instrumentos que despertam no aluno o gosto pela auto-investigação através do movimento de seu corpo. Na medida em que a consciência de uma pessoa se expande – usando o corpo como veículo dessa expansão – mais ela estará apta a fazer sentido de suas próprias emoções. Uma pessoa desenvolve sua capacidade de sentir estará mais apta a fazer escolhas que contribuam à realização de suas potencialidades. (BOLSANELLO, 2008, p.3).

Recordemos o conceito de Holismo. O termo tem origem na palavra grega ‘Holos’, que significa ‘todo, inteiro’, para a expressão de corpo enquanto experiência abarca uma visão não-fragmentada do real experimentado pelos canais perceptivos humanos. Desse modo as sensações, sentimentos, intuições, criatividade e razão são manifestadas, recebidas e consideradas em conjunto, onde cada fator age no outro interagindo reciprocamente, permitindo ao ser humano plena harmonia das informações absorvidas do meio em que vive, acarretando mais consciência no ato de tomar decisões mais plenas, mais amorosas e mais sábias acerca  de soluções adotadas para cada tipo de situação. É uma visão de ‘corpo’ onde as partes de um sistema de ideias encontram-se no todo, cujos princípios e leis que regem esse todo encontram-se nas partes, ou seja, tudo está conectado.

O termo corpo redefine-se no momento em que a experiência humana e a subjetividade são validadas como fonte do conhecimento, bem como a revisão da separação, atribuída por Descartes (1596-1650), entre corpo e espírito. A relação que compreende as questões comunicativas internas do homem com as questões externas do mundo, do mundo com o homem e do homem com ele mesmo vem provocando, até então, impactos sobre a constituição do ser humano como sujeito de si próprio e na produção de subjetividade como processo cultural, social, político e também estético. Paralela às concepções mecânica e dualista do corpo, uma outra maneira de concebê-lo começa a emergir gradualmente desde o Pós-Revolução Industrial. Filósofos como Merleau-Ponty colocaram em evidência a subjetividade do ser humano em sua experiência corpórea. (SILVEIRA3. 2009, p. 2).

Em Educação Somática,
 [...]essas abordagens ditas ‘holísticas’ ou ‘alternativas’ podem ser consideradas uma tecnologia interna porque são compostos de técnicas que usam recursos inerentes ao organismo humano: a respiração, o movimento, o ritmo das funções vitais, os meridianos, etc. Elas investem na capacidade de autoregulação, sistema que garante o equilíbrio global da pessoa, primando pela prevenção da doença ou pela recuperação. A intervenção medicamentosa ou cirúrgica só é necessária caso o sistema de autoregulação não cumpra bem seu papel. Desenvolver sua tecnologia interna equivale a dar suporte ao poder de auto-cura do organismo. (BOLSANELLO, 2008, p. 2).

Ressalto que através de estímulos corporais onde o aprendizado pela vivencia acontece através do corpo enquanto experiência, despertou em mim o pensamento somático que  rege essa compreensão exterior das coisas, da qual me refiro. Chequemos novamente os pontos principais de convergência para o surgimento de novas técnicas corporais que hoje povoam a Educação Somática, enfatizando somente a AÇÃO impulsionadora para o surgimento das técnicas hoje empregadas: VONTADE; EXPERIMENTO/EMPIRISMO; e sua consequência direta: CONSCIÊNCIA DO TODO INTERLIGADO NA SOMA DAS PARTES.
Agora tomemos como exemplo a Semana de Arte Moderna de 1922, no Brasil. A vontade dos jovens artistas idealizadores daquele período, era manifestar sua insatisfação com os rumos do aspecto cultural do País. As obras apresentadas durante esta semana englobavam Poesia, Pintura, Música, Escultura e Literatura. Estes jovens artistas concorriam para uma renovação das linguagens, ousavam a experimentação das formas, exprimiam a liberdade criadora em suas obras. Promoveram uma ruptura violenta com o passado empoeirado e desbotado das velhas formas artísticas que já não faziam conexões com o presente momento político e sociocultural no Brasil (e no mundo) de 1922, as obras dessa Semana Moderna além de inteligentes, instigantes e detentoras de uma beleza exótica, denotavam fortes criticas sociais.
Outro exemplo: no período histórico da Ditadura Militar no Brasil, em meados de 1967, outra reviravolta nos rumos culturais do País: uma clareira surge! O movimento Tropicália explode – tipo um coletivão de cantores, músicos, artistas, poetas e compositores solo emergindo os grupos musicais experimentais como os ‘Novos Baianos’ e ‘Os Mutantes’; um saladaço musical de ideias efervescendo; o Tropicalismo influenciado e influenciando também a linguagem cinematográfica (Cinema Novo), a linguagem teatral (exemplo das peças anárquicas e ousadas de José Celso Martinez), dentre demais manifestações artísticas de vanguarda que captaram essa reverberação. O Tropicalismo também teve sua raiz irmanada na Semana da Arte Moderna de 22, com a releitura do sentido de antropofagia cultural, Concretismo e da Pop Art.
Além desses exemplos nas Artes, há inúmeros outros em todas as áreas do conhecimento (Filosofia, Antropologia, Sociologia, etc), onde alguém ou um grupo de estudiosos ou apenas pessoas insatisfeitas, contestaram o comportamento vigente de sua época acerca de determinado assunto; partiram para a experimentação, para a teorização à posteriori em alguns casos, e dessas ações surgem outras concepções de realidades – que a principio estavam segregadas apenas a uns poucos que tinham essa visão emancipada e ao mesmo tempo, conjunta das coisas; alguns os chamam de visionários.
Percebe-se que nesse movimentar de ações e ideias há interferências externas que motivam uma inquietação interna no individuo (soma das partes no todo), partindo do pressuposto de que essa inquietação gera uma ação experimental a ponto de se criar outro algo-fora motivado por um algo-dentro através da curiosidade/busca/vontade desse individuo transformador e em transformação. A insatisfação com o ‘ordinário’ impulsionou esses sujeitos abrirem novas janelas e portas ao ‘extraordinário’ para que mais pessoas pudessem também VER e SENTIR e EXPERIMENTAR outras realidades possíveis... eu considero esse raciocínio e leitura de fatos históricos, comportamentais e/ou artísticos aparentemente ‘disfuncionais’, um raciocínio analítico proveniente de um ‘pensamento somático’ e Holístico.
Arrisco dizer que desse raciocínio analítico, proveniente de um pensamento somático e Holístico, há medida que mais e mais pessoas iniciarem sua jornada de autoconhecimento conforme o conceito de corpo enquanto experiência – usufruindo dos exercícios de Educação Somática, abrir-se-á espaço para o aparecimento de uma CULTURA SOMÁTICA, onde todos se reconhecerão partes plenas constituintes de um Todo: seres mais conscientes, mais equilibrados e sadios, pois a cura verdadeira sempre parte de dentro para fora.
a conclusão para o fechamento de meu raciocínio acerca do pensamento somático veio enquanto eu aprontava meu jantar de hoje. Ao cortar cebola e alho para refogar, as frases abriam-se na minha mente feito raios solares sorrindo por detrás das nuvens. Corri para o computador para não deixar escapar. Daí, concluo que a partir do momento que eu entendo que meu corpo (físico + espírito + sensações + sentimentos + intuições + criatividade + razão) funciona interligado a esses fragmentos de mim, compreendo que o fora de mim também é fragmento desse todo de mim. Daí, minha conscientização de que minhas ações aparentemente isoladas, reverberam no meio exterior de mim. Eu sou o meio ambiente onde vivo. Minhas ações e/ou omissões constituem minha realidade fora de mim, isto é consequência de um ‘pensamento somático’.
Entretanto, esse artigo ainda é a pontinha do iceberg acerca de minha ideia desse assunto, pois “o conhecimento é construído a partir da experiência pessoal, e que estilos e padrões precisos de ações individuais são desenvolvidos em um contexto social compartilhado que envolve o discurso, a linguagem e a ação corporal”. (FORTIN, 2005, p. 11).


Hellen Katiuscia de Sá
Escrito em: 24, 25, 26 e 27 de dezembro de 2012.





REFERÊNCIAS:

BOLSANELLO, Débora, “Educação Somática: investindo na tecnologia interna”. 2008. Disponível em: <www.movimentoes.com>. Acessado em: 24 dez. 2012.

BOLSANELLO, Débora. “Educação Somática: o corpo enquanto experiência”. Motriz, Rio Claro, v.11 n.2 p.99-106, mai./ago. 2005.

BOLSANELLO, Débora. “Corpo Livre e Corpo Possuído”. 2008. Disponível em: <www.movimentoes.com>. Acessado em: 23 dez. 2012.

Conceito de Fenomenologia, disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Fenomenologia>. Acessado em: 26 dez. 2012.

FORTIN, Sylvie e LONG,  Warwick. ”Percebendo diferenças no ensino e na aprendizagem de Técnicas de dança contemporânea”. In Movimento. V.11, n.2, p. 9-29. Porto Alegre, 2005.

SILVEIRA, Saulo. Dança-Teatro e Pesquisa-ação Somática: os Bartenieff Fundamentals como fonte de experimentação para o preparo corporal de artistas cênicos com deficiência física”, PPGAC-UFBA. Disponível em:

STRAZZACAPPA, Márcia. Resumo do último capítulo da tese de Doutorado: “Fondements et enseignements des techniques corporelles des artistes de la scène dans l’état de São Paulo, au XXème siècle”, Universidade de Paris, França, 2000.


_____________________
1Débora Bolsanello nasceu no Brasil e é cidadã canadense. Bacharel em antropologia pela Université de Montréal, Mestre em dança pela Université du Québec à Montréal. Sua dissertação aborda a aplicação de técnicas de educação somática dentro do tratamento de dependentes químicos. É assistente de pesquisa do CERAP - Centro de Estudos e Investigação Aplicada em Psicopedagogia Perceptiva, Universidade Fernando Pessoa do Porto, Portugal.  Hoje, Débora Bolsanello é a diretora pedagógica da Formação em Técnicas de Educação Somática no Brasil. Diplomou-se massoterapeuta pelo Institut Kinéconcept em Montréal. Formou-se no Centre Pilates de Montréal; atuou como docente no programa "Abordagens Terapêuticas Corporais" da Universidade Pestalozzi, Rio de Janeiro, Brasil.  Pós-graduou-se em educação somática pela Université du Québec à Montréal. É certificada como professora de autoreeducação corporal pelo Centre d`Étude et Recherche en Autorééducation Neuromusculaire, Montréal.

2Márcia Strazzacappa é Doutora em ARTES: Estudos Teatrais e Coreográficos (Université Paris VIII, França, 2000); Mestre em Educação (UNICAMP,1994); Pedagoga (UNICAMP,1986) e Bacharel em Dança (UNICAMP, 1990). Foi pesquisadora do LUME/UNICAMP (1986/1995) É professora da Faculdade de Educação da UNICAMP da qual foi diretora associada (2008/2012) e coordenadora de graduação (2001/2004). É coordenadora adjunta da Comissão Permanente para os Vestibulares da Unicamp (COMVEST). Atua nas graduações de Pedagogia, de Dança e de Teatro. Sua pesquisa enfoca os campos da Arte e da Educação, principalmente nos temas: Dança, Teatro, Formação Professor, Educação Estética e Educação Somática. Professora da Pós-Graduação em Educação, é membro do Laborarte - Laboratório de Estudos sobre Arte, Corpo e Educação, do qual foi coordenadora até 2008. É membro e foi vice-coordenadora (2008/2010) do GT Educação e Arte da ANPEd (Associação Nacional de Pesquisa e Pos-graduação em Educação). É membro da ABRACE (Associação Brasileira de Pesquisa em Artes Cênicas). Dentre suas publicações, destaca o livro intitulado "Educação Somática e Artes Cênicas" (Papirus, 2012). Artista da dança atuante, seu último trabalho coreográfico intitula-se "Sobre mulheres e lobos" (2010). Tem se apresentado com sua personagem clownesca, Dona Clotilde, em diversos eventos nas áreas de Educação, de Arte e de Saúde, nacionais e internacionais. 

3Saulo Silveira é professor/pesquisador da Escola de Teatro e Dança da Universidade Federal do Pará (ETDUFPA), recentemente atuou nas funções de coordenação do Curso Técnico em Dança (habilitação em Intérprete/Criador em Dança) e do Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Específicas (NAPNE) da ETDUFPA. Dirigiu o projeto de pesquisa Diversidade Corporal e Educação Somática na Prática da Dança e o projeto de extensão Cena em 5: espaço de produção cênica acadêmica. Atualmente doutorando em Artes Cênicas pela UNIRIO (2014); Mestre em Artes Cênicas pelo Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia (2009) e graduado (Licenciatura Plena) em Educação Física pela Universidade Federal de Juiz de Fora (2006). Tem experiência na área das Artes com ênfase em Educação Somática, atuando principalmente nos seguintes temas: Diversidade Corporal, Educação, Dança e Técnicas Corporais.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

TEXTO Nº11 - Katiuscia


ESCOLA DE TEATRO E DANÇA DA UFPA
GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO SOMÁTICA NA DANÇA
Coordenação: Profº Mestre Saulo Silveira


Gostaria de poder descrever melhor minhas sensações a respeito da aula do encontro do dia 03/12, porém, é algo que não existe palavra para coisa tão subjetiva, algo como um encontro e uma despedida. Um olhar e carinho para minha própria imagem num espelho interior. Um ‘contentamento descontente...’, algo que brota inesperado e por isso efêmero em sua existência continuamente mutante e flexível, maleável conforme o próprio sentir. Apenas sei dizer que é maravilhoso estar conectada ao Todo de dentro e fora de mim. Uma lente de aumento das coisas e das pessoas. Uma compreensão dilatada e íntima de tudo. Uma percepção tranquila e poderosa. Sem dúvidas, a letra da música que me veio na cabeça encerra um pouco desse sentido. Emprestarei a tradução da música “Return to Innocence”,  da banda inglesa Enigma, para poder chegar a algo próximo de meu amanhecer, do meu (re)nascer, do meu despertar, da minha alegria em Deus (ou outra denominação).

“Amor...
Devoção...
Sentimento...
Emoção...

Não tenha medo por ser fraco.
Não tenha tanto orgulho por ser forte.
Apenas olhe dentro de seu coração, meu amigo,
Esse será o retorno a você mesmo...
O retorno à inocência.

Se você quer, então ria.
Se você tem divida, então chore.
Seja você mesmo...
Não se esconda,
Apenas acredite no destino.

Não se importe com o que os outros dizem
Apenas siga seu próprio caminho.
Não desista!
E use a chance
Para retornar à inocência.

Esse não é o começo do fim
Esse é o retorno a você mesmo...
O retorno à inocência"

[“Return to Innocence” – Enigma]

Katiuscia de Sá
04 de dezembro de 2012
07h32 a.m.

TEXTO Nº10 - Katiuscia


ESCOLA DE TEATRO E DANÇA DA UFPA
GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO SOMÁTICA NA DANÇA
Coordenação: Profº Mestre Saulo Silveira


No encontro do dia 26/11/2012 lemos e discutimos o artigo “Como Fazer a Dança Própria?”, de autoria de Ana Milena Navarro Busaid. O texto dela baseia-se em conclusões galgadas em cima das pesquisas do dramaturgo e ensaísta André Lepecki sobre sua proposta artístico-experimental catalogada na ontologia dos movimentos da dança e sua hegemonia,  nos processos de subjetivação do sujeito e no fazer artístico, com o objetivo de abrir caminhos para que o bailarino construa sua dança própria, eliminando ideias pré-estabelecidas sobre conceito de dança na modernidade.

Ao ler o texto entramos em contato com o que normalmente está anexado à ideia de dança: sempre agarrada à execução do movimento (‘fluxo e continuidade do movimento’), assim como para André Lepeck, também fica bastante enfatizado para muitos artistas de outras áreas, até mesmo estudantes de dança e público em geral, de que uma composição de dança para ser considerada ‘dança’ está vinculado ao coreografado fixo, este é o pensamento hegemônico na modernidade acerca deste conceito.

E para desprender tal concepção de rigidez do movimento coreografado, André Lepeck busca associações entre Política, Filosofia e Dança para promover esse Apartheid, e vigorar novas compreensões e leituras do movimento não apenas pelo movimento corporal do bailarino, mas também conceituado numa amplitude irmanada a outros campos do conhecimento, abrindo espaço inclusive, para que o próprio bailarino-criador descubra e/ou imprima sua própria leitura sobre seu movimento, algo como agregar valores subjetivos para dar significação e mais vigor à sua apresentação.

No decorrer do artigo Ana Milena Busaid enfatiza a frase de Lepecki: “a dança imbrica-se ontologicamente com o movimento, é isomorfa com respeito ao movimento” (LEPECKI, 2008), isso quer dizer que durante décadas a dança foi sempre associada e estudada apenas em consideração do movimento coreografado. E essa ruptura do conceito ontológico de ‘dança’ surge no cenário artístico mundial através da dança contemporânea que alarga a atuação do bailarino concedendo-o a inserção de diversos tipos de movimentos e expressividades, inclusive, ‘fora’ do que seja ‘usualmente’ dança.

Para se chegar a este estágio criativo, segundo Lepecki,  o bailarino necessita passar por três eixos para zerar seu corpo e permitir-se escutar até que brote de seu amago a ‘dança pessoal’, anexando a concepção de corpo como unidade linguística . São eles: esvaziar o corpo; afastar a ideia do ‘eu’; e criação da dança própria. Desse modo concebe-se ao corpo do bailarino uma escrita própria (impressões subjetivas, memória emotiva, bagagem de movimentos de tipos de danças outras que estão impressas no soma do bailarino, mas que agora não estão coreografados, servindo apenas como conhecimento acumulado), e estes pontos ajudarão o bailarino-criador a ‘escrever’ seu discurso através dos movimentos na sua dança pessoal, tornando-se o individuo uma entidade linguística.

Lembro-me que no Teatro utilizamos o que usualmente chamamos de ‘pagina em branco’, que é zerar nossos trejeitos inerentes (maneira de falar; andar; agir; sorrir; se comportar; etc...) para dar passagem ao discurso da personagem. E igualmente como propõem Lepecki, para que o bailarino-criador chegue nesse ‘zerar’ ele precisa apagar a rigidez coreográfica em seu movimento corporal no momento de criar sua dança própria, dando passagem ao fluxo continuo do movimento sem tensão ou rigidez, através do fluxo respiratório.

Parece meio paradoxal, mas não é. Como a Educação Somática sugere o individuo sendo entidade em transito, ou seja, em transformações constantes conforme novas descobertas de si mesmo, imprimindo novos discursos de si mesmo, o bailarino-criador também deve observar-se, ajuntando adaptar-se ao que deseja expressar.

Também me veio à associação da dança-teatro Butoh (da qual gosto muito e particularmente tenho predileção para meu trabalho de palco), ou melhor dizendo: Ankoku Butoh: ‘dança das trevas’ em tradução para o português. Este ‘estilo’, digamos assim, de se fazer dança-teatro é um conceito contemporâneo da forma, normalmente diz-se que seus criadores foram os japoneses Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno. O Butoh Surgiu após diversas observações e pesquisas de Tatsumi Hijikata de dançarinos de cabarés, teatro tradicional japonês, performers, técnicas tradicionais de danças ocidentais, das vanguardas europeias tais como  cubismo, expressionismo e surrealismo; etc... e principalmente da concepção de ‘dança’ partilhada por ele e Ohno de que o dançarino não dança para si, mas para reviver algo muito maior.

E de acordo com suas pesquisas de movimento corporal do bailarino, Hijikata catalogou movimentos e dispôs em algo único. Nas palavras de Ohno sobre o Butoh, ele diz: “ Butoh é uma das mais arrojadas formas de dança contemporânea única do Japão. Expressa ao mesmo tempo tantas ideias diferentes que é impossível  defini-la. Ela somente choca e surpreende”.

Interessante lembrar também que essa dança-teatro surgiu à margem das tradicionais e clássicas formas de dança no Japão, e por isso mesmo por alguns anos não foi aceita como dança ou expressão artística do gênero, sendo apresentada apenas em lugares não muito considerados... na década de 50 no pós II Guerra, o Butoh tinha um forte discurso político e de contestação social frente aos traumas gerados na recente história do Japão. O Butoh neste contexto servia de discurso corporal e imagético da dor da perda e da humilhação sentida pelos cidadãos japoneses, cuja nudez dos bailarinos e severidade das formas contorcidas em seus corpos estão intrinsecamente ligados a imagens mentais de seus interpretes, gerando por isso uma dança pessoal não coreografada.

Essa aceitabilidade do que seja dança, também é contestada por Lepecki em seu texto-base para o artigo de Ana Milena Navarro Busaid. Como igualmente acontece no Butoh, cuja improvisação torna-se necessária no momento da apresentação, gritando ao mundo a concepção intransferível de dança pessoal de seu interprete, onde cada apresentação do mesmo tema é única; também é compreendido no conceito desprendido da ontologia da dança que discorre sobre a hegemonia do movimento das formas para que apenas algo coreografado seja entendido como dança.

Nesse contexto abrem-se possibilidades ao bailarino-criador para tentativas e experiências do movimento, libertação da técnica, e ruptura das formas rígidas da coreografia desembocando numa criação autentica de dança (dança pessoal), uma dança que não é fixa.

Para fechar meu texto de diário de bordo, anexo a ele dois vídeos para ilustrar esse conceito de dança pessoal sem coreografias rígidas, dança galgada em imagens subjetivas de seus interpretes-criadores e por isso injetando novos discursos linguísticos e corpóreos para quem faz e contempla. O primeiro vídeo – PILOBOLUS – é uma apresentação de dança-teatro contemporânea; o segundo vídeo um exemplo das mais variadas formas expressivas de Butoh.


04 de dezembro de 2012
06h13 p.m.


Grupo PILOBOLUS


  
Performance de Butoh




quarta-feira, 28 de novembro de 2012

TEXTO Nº09 - Katiuscia

ESCOLA DE TEATRO E DANÇA DA UFPA
GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO SOMÁTICA NA DANÇA
Coordenação: Profº Mestre Saulo Silveira


No encontro do dia 19/11 fomos assistir à palestra dos professores Paulo Lima e Eliana Felipe no I Encontro de Formação Interdisciplinar do Curso de Licenciatura em Educação Física da UFPA. O assunto discorria sobre o conceito de ‘corpo’, pertinente à concepção de ‘corpo soma’ em Educação Somática.

Profº Paulo Lima iniciou com um breve apanhado histórico sobre o conceito de ‘corpo’ conforme as ideias dominantes nas sociedades ocidentais, e a cada palavra ficava evidente a alienação do ser humano sobre si mesmo. Na Idade da Pedra, o Homo Sapiens sequer tinha noção de si enquanto sujeito, sobressaindo apenas o instinto de sobrevivência; nos séculos seguintes o individuo era exposto à barbárie de seus semelhantes em busca de reconhecimento territorial e de riquezas expressas através de suas posses e aparência, ignorando a existência de uma Alma. Na Idade das Trevas, o homem era tolhido de seus desejos e pensamentos (renegando sua alma) em troca da mutilação da carne, e com esse ato perverso dissociando-os... (igualmente alienando-se de si e de suas potencialidades de se auto-regular, devido ao fato de compreender-se apenas de maneira homogênea, apartada de um ‘todo’). No período Iluminista da História das Civilizações Ocidentais, o homem rejeita a ideia de ‘alma’ reafirmando o físico, permanecendo com um olhar unilateral sobre si mesmo.

E na grande Revolução Industrial eis que o homem torna-se máquina! Uma máquina orgânica, concebendo a si próprio o que mais tarde evoluiria para a denominação mecanicista do corpo: um corpo forte, saudável apenas para gerar produtos (e sentimentos) em séries. O ser humano era produzido e consumido em série, impossibilitado de saber-se individual e com particularidades, tinha direito de ser apenas a massa amorfa e adestrada... quem escapasse desses ‘padrões’ era ainda mais marginalizado (um bom exemplo disso está nos filmes “Os Incompreendidos” e “Firenheit 457”, ambos de François Truffaut – o próprio movimento cinematográfico da Nouvelle Vague francesa pode ser exemplo dessa ‘marginalização’ comportamental).

De meados de 1888 para cá, as coisas não mudaram muito de prisma, porém acrescentaram-se novas concepções da ideia de ‘corpo’. Agora somos ‘virtuais’, com várias personalidades e aparências nas Redes Sociais da Internet; somos mais ainda dominados pela (es)cultura do corpo talhado (visão mecanicista/ corpo possuído), temos de ser felizes 24 horas por dia... e com isso manipulados pela mídia mancomunada com a Indústria que nos deseja vender emoções embaladas à vácuo. As partes isoladas e manipuladas sem nunca sentirem-se unidas ao todo. Não temos a concepção do ‘corpo completo’, sempre falta algo... que é momentaneamente sanado pelo consumo de algo ou buscado no outro.

Com essa venda da ideia de que o individuo está sempre pela metade de si mesmo, o Capitalismo se esbanja dominador de sentimentos e desejos ocultos das pessoas. Somando-se a ideia de ‘falta’ a mídia dissemina a cultura do medo nas pessoas, vindo junto o aprisionamento sutil  das criatividades individuais, e com isso as manifestações de ideias autenticas são discriminadas e segregadas a guetos. O interessante que esses ‘guetos’ vêm a ser muitas vezes grupos de pessoas que manifestam-se por meio das Artes, e geram com isso novas formas de percepções de realidade e também concepções de si mesmo, escapando a vulgaridade estabelecida.

E são essas realidades subjetivas que nos interessa dialogar com a abordagem da Educação Somática; o estado de potencia em conceber novas formas de saberes, ou seja, com o simples ato de criar algo, esses indivíduos reproduzem o mundo e a si mesmos, tendo como fonte de conhecimento seu corpo interligado (soma+físico), ou seja: o corpo enquanto experiência. Aqui já entram as falas da profª Eliane Felipe em torno de ‘corpo objeto, ‘corpo sujeito’, ‘corpo sujeito histórico’. E como o Sistema/status quo/Matrix combate fervorosamente a ideia de ‘conhece-te a ti mesmo’, justamente para negar à massa o direito de livre escolha sobre como proceder no mundo e reinventá-lo reinventando a si próprio.

Pois através da cultura do medo, da cultura consumista, da competitividade de economia hegemônica muitos povos ao redor do mundo ainda se encontram em estágios subdesenvolvidos; desse modo, várias sociedades estão na esfera da necessidade sobrepujando o desenvolvimento da capacidade afetivo-criativa que leva o Ser ao estágio de delicadeza e compreensão de sutilezas perceptíveis somente a indivíduos mais sensibilizados e conectados ao seu corpo soma.

Cabe ao profissional/educador que trabalha com as percepções voltadas ao corpo soma trazer à Luz esse conhecimento aos indivíduos sob sua tutela (seja na escola, seja em academias de ginásticas, seja no mundo acadêmico das universidades) para que através de uma reeducação psicofísica a sociedade evolua, que atente para o ‘uso capitalista do discurso’ para não se deixar enganar pela manipulação de pensamentos e agires, pois a relação de poder no dia-dia gera a cristalização da sensibilidade e olhares de mundos; isso fertiliza conflitos desiguais entre as pessoas; segrega ao invés de se compreender o TODO, pois este manifesta-se em pedaços, cada um de nós possui um conhecimento e olhar dele e nele, então se levantarmos barreiras impondo ideias ao passo de nos juntarmos e ouvir o outro e a nós próprios com liberdade de escolha consciente de nossos atos, estaremos cegando a nós mesmos.

A educação Somática nos faz perceber que somos partes de um todo de nós mesmo e de algo maior, pois tudo está conectado... lembranças de uma frase matusalêmica: “ame o próximo como a ti mesmo”.

Ia esquecendo de acrescentar também algo que prof. Paulo Lima mencionou ao final de sua explanação. Ele considerou o estado de 'conflito' como sendo um estágio benéfico para a evolução e transformação do ser humano, pois o conflito gera ação, e ação gera pensamentos e escolhas, e escolhas nos leva ao estado de 'jogo'; jogo aqui no sentido de dar reviravoltas nas peças que constituem nosso dia-dia, e com isso estarmos abertos e flexíveis para mudanças: eis o estado de jogo que as crianças, principalmente, conseguem desfrutar tão bem pelo fato de ainda não estarem totalmente 'domesticadas' e engajadas na engrenagem do 'padronizado'. A vida é uma maravilhosa aventura! Um jogo de montar e desmontar conforme nossa vontade (e coragem) própria.

Para finalizar a página de meu diário de bordo, tomarei emprestada a letra da música PAVÃO MISTERIOSO, escrita por José Ednardo Soares Costa Sousa, imortalizada na voz de Ney Matogrosso:

“Pavão misterioso
Pássaro formoso
Tudo é mistério
Nesse teu voar
Ai se eu corresse assim
Tantos céus assim
Muita história
Eu tinha pra contar...


Pavão misterioso
Nessa cauda
Aberta em leque
Me guarda moleque
De eterno brincar
Me poupa do vexame
De morrer tão moço
Muita coisa ainda
Quero olhar...


Pavão misterioso
Pássaro formoso
No escuro dessa noite
Me ajuda cantar
Derrama essas faíscas
Despeja esse trovão
Desmancha isso tudo, oh!

Que não é certo não...

Pavão misterioso
Pássaro formoso
Um conde raivoso
Não tarda a chegar!
Não temas minha donzela
Nossa sorte nessa guerra
Eles são muitos
Mas não podem voar...”



29 de novembro de 2012
03h51 a.m.



quinta-feira, 8 de novembro de 2012

TEXTO Nº08 - Katiuscia


ESCOLA DE TEATRO E DANÇA DA UFPA
GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO SOMÁTICA NA DANÇA
Coordenação: Profº Mestre Saulo Silveira



No encontro do dia 05/11 tivemos exatamente três horas ininterruptas de treinamentos corporais! Como sempre iniciamos com delicados exercícios de relaxamento, ligando-os gradativamente aos seis exercícios de Padrões Neurológicos Básicos introduzidos na aula anterior. Todos os movimentos eram focados na respiração medular de preenchimento e esvaziamento (intra-medular). Mesmo os exercícios sendo aparentemente suaves, nossos músculos e coluna vertebral eram ativamente acionados tanto através da respiração quanto através dos movimentos repetitivos que nos levavam ao estado de equilíbrio, atenção e força.

Neste dia de atividade somática profº Saulo não se limitou a passar os comandos da aula, ele também participou junto conosco. Eu gostei bastante dos exercícios de relaxamento, profº Saulo enfatizou demasiadamente a região da cabeça e em consequência meus chacras frontal e do topo da cabeça (chacra da coroa) ficaram extremamente sensibilizados. Ao final da aula na roda de conversa, eu relatei minhas experiências ao professor. A partir da terceira série de movimentos iniciais de relaxamento eu já sentia a ligação completa entre a região da glândula pituitária juntamente com a região do ‘terceiro olho’, que no Yoga faz referencia ao ‘chacra frontal’.

Como descrever a sensação... sentia uma leve pressão como se fosse um pequeno peso e formigamento gelado nessas regiões. E prontamente minha atenção permaneceu na sala de aula e no meu corpo, o que normalmente não acontece em tempo integral, desde o inicio do projeto de Pesquisa e Extensão com frequência eu me ‘desconectava’ do local indo minha mente vagar em alguma lembrança, em algum local fora da escola, em determinada pessoa, etc... desta vez eu fiquei bastante focada na aula e meu rendimento nos desdobramentos posteriores foram muito mais enxutos, coordenados com as lembranças dos exercícios da aula passada.

Outro ponto diferente que ocorreu também nesta última aula foi a introdução dos exercícios de Vibrações Homólogas das Pernas e Braços, e também a introdução de algumas atividades pedagógicas de ligação. A esta altura da aula eu já estava em estado de felicidade interior TOTAL, e inteiramente relaxada. Meus níveis de tensões corporais e psicológica estavam à zero. Percebo que este efeito está sendo alcançado cada vez com maior rapidez, acredito que daqui um tempo bastará eu entrar na sala das aulas somáticas para conectar-me neste 'estado', mesmo sem realizar qualquer exercício... não sei, é apenas minha intuição pelo andar da carruagem...

Eu me senti tão bem, mas tão bem que eu quis escrever meu Diário de Bordo imediatamente ao chegar em casa, porém algo me impedia como que para eu aguardar a reação do meu corpo psicofísico nos dias subsequentes após às três horas ininterruptas de exercícios. Assim eu fiz.

Antes de relatar essas sensações, algo que também me chamou muito atenção, foi o fato de logo após o encontro de Educação Somática eu segui para uma sessão de cinema, e eu estava demasiadamente relaxada ao extremo e muito espontânea (ainda carregando a sensação de felicidade interior que me acompanha ainda neste momento enquanto escrevo).

Algo inédito aconteceu: pela primeira vez eu não analisei o filme que fui assistir, simplesmente fui assistir para me divertir, como se meu cérebro e/ou lado analítico/racional estivesse adormecido e esse fator abriu passagem para meu lado mais sensível e despreocupado, e não analisei a obra (já havia me sentido assim antes durante uns meses atrás, e acontecia através da presença de uma determinada pessoa; a presença deste rapaz me fazia ficar neste estado de relaxamento, pois acredito que ele me transmitia segurança a níveis estratosféricos e eu me entregava à sua forma de cuidar de mim, eu me permitia ser cuidada por esta pessoa amiga que considero muito especial pra mim...).

Então, percebendo esse meu estado durante a sessão de cinema, permaneci na decisão de ‘desligar’ meu cérebro para experimentar como seria. Eu não pensei nada, apenas ‘senti’. E eu cheguei à conclusão que eu prefiro ‘pensar’, refletir, ponderar racionalmente tudo que passa comigo ao invés de ‘sentir’, (particularmente eu já havia percebido essa minha predileção desde criança).

Já durante o inicio da madrugada de segunda para terça-feira meu corpo (músculos, ossos, nervos sensações, pensamentos...) estava desfalecido como se eu tivesse tomado uma surra braba de vara verde... eu estava a ponto de dormir completamente, porém não tinha sono, apenas o relaxamento... sentia-me febril e feliz; eu fiquei curtindo essa sensação até o final do dia de ontem (quarta-feira). Meu corpo doía, porém era agradável sentir aquele relaxamento e uma sensação de eletricidade correndo ponta-a-ponta todas as extremidades (da ponta dos pés ao topo da cabeça e ramificações), acredito que esse estado foi alcançado nas três horas de exercícios de Padrões Neurológicos Básicos e também devido ao meu relaxamento adequado no inicio da aula, e também devido aos exercícios de Vibração Homóloga das Pernas e Braços.

Cada vez mais essa sensação de bem-estar, de relaxamento completo e felicidade interior estão se perpetuando... através das aulas e exercícios de Educação Somática eu estou alcançando o meu céu, graças a Deus.



08 de novembro de 2012
11h22 a.m.


segunda-feira, 5 de novembro de 2012

TEXTO Nº07 - Katiuscia


ESCOLA DE TEATRO E DANÇA DA UFPA
GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO SOMÁTICA NA DANÇA
Coordenação: Profº Mestre Saulo Silveira


Na aula passada profº Saulo nos iniciou nos exercícios de Padrões Neurológicos Básicos/ PNB (ou Respiração Celular).

"O termo Padrões Neurológicos Básicos/ PNB implica na modificação simultânea dos sistemas nervosos e muscular rumo à complexidade. Pouco a pouco o bebê vai de uma posição de repouso com pouca habilidade de locomoção até ser capaz de deslizar, transferindo o peso de partes alternantes do corpo no sentar, engatinhar, até manter-se em pé com o apoio de um adulto ou de objetos, até sustentar-se nas duas pernas, onde sempre se 'volta' ao anterior porém modificado pela nova descoberta" [FERNANDES, Ciane,  O Corpo em Movimento: o sistema Laban/Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênicas. 2ª Ed. São Paulo: Annablume, 2006/ pg. 56].

"Nosso organismo humano recebeu a ordem fisiológica para completar algumas tarefas de movimento nos primeiros anos de vida (...) sedimentando padrões em todo o organismo, inclusive no sistema neuromuscular (...) e influenciando a capacidade do individuo para ser e mover-se no mundo. se a pessoa não completou estes padrões corporais, o desenvolvimento será impedido. na progressão dos PNB, cada estágio prévio apóia sublinarmente cada estágio subsequente. Cada estágio é necessário. Enquanto adultos, é benéfico re-lembrar cada estágio favorece a integração, isto é, o uso oportuno de acordo com o contexto". [HACKNEY, 1998: 42, apud: FERNANDES, 2006: 56]. 



1) Respiração Celular
Ela está presente em todos os demais PNB.




2) Irradiação Central
"Este estágio desenvolve a atenção, estabelece a noção de individualidade, de Cinesfera pessoal, e de desenvolvimento em todos os planos do espaço".



3) Cabeça-Cauda
ou Corpo em Organização Espinhal




4) Corpo em Organização Homóloga
(superior/inferior)
"Este estágio capacita o individuo a conectar-se com a terra e relacionar-se com a gravidade, locomovendo-se no espaço e mudando de níveis (...) Segundo  esta constituição, cabe à parte superior, a mobilização e atividade muscular fina, como escrever, gesticular, etc. No entanto, essas funções são constantemente investidas ou temporariamente alternadas, criando diferentes formas de expressão artística. Devido à constituição e função diferenciadas, a cintura pélvica e a cintura escapular são também tratadas como Centro de Peso e Centro de Levitação, respectivamente".



5) Homolateral
"O controle  sobre o movimento homólogo leva a criança naturalmente ao próximo estágio, diferenciando lado direito e lado esquerdo, em movimento homolateral. Não se trata de diferenciar apenas do braço esquerdo do direito, mas todo o lado direito do corpo de todo o lado esquerdo. Ou seja, a partir da coluna (fase Espinhal), o corpo divide-se no lado direito da cabeça, pescoço, tórax, abdômen, braço, perna, e seu homolateral esquerdo. Este estágio clarifica a intenção e estabelece as bases para a integração das funções laterais do cérebro".



6) Contra-Lateral
"Este estágio desenvolve o cérebro frontal e a autoconsciência promovendo o comprometimento na ação. Para chegar neste estágio, a criança alterna entre todos os anteriores, até atingir a maturidade neurológica necessária".


Iniciamos com o relaxamento corporal habitual às aulas práticas, depois um a um experimentamos as movimentações. Cada passo era-nos lembrados a evolução celular do embrião humano, e à medida que íamos passando para a etapa seguinte, igualmente à movimentação corporal, a educação respiratória acompanhava. Confesso que a partir do terceiro movimento, eu já estava me divertindo, e sentindo o bem-estar característico das aulas práticas somáticas.

Esse é um dado constante, sempre alcanço um relaxamento tão completo a ponto de me deixar em estado de felicidade interior. Aprendo e me divirto muito nas aulas práticas. Adoro conhecer meu corpo psicofísico, quais as possibilidades dele, e também adentrar mais e mais na minha memória celular. E os seis exercícios desta aula tinham essa finalidade.

Além de acionar nossa lembrança celular, os exercícios também nos levavam ao passo-a-passo da evolução motora do individuo desde o estado embrionário; do levantar a cabeça; arrastar-se; sentar; engatinhar; e ficar de pé e caminhar. Para mim que sou ambidestra e sempre tive confusão entre esquerda e direita, era ótimo estar endossando e separando para minha mente o quê era o quê através desses exercícios delicados... além da coordenação motora ser explorada pelos movimentos, a noção espacial também estava sendo abordada. E igualmente sempre tive uma pequena limitação em relação à minha noção espacial.

Ser ambidestra é legal, dá certa agilidade a determinadas tarefas manuais em muitos casos, mas também gera uma pequena confusãozinha motora, pois é como se o cérebro da pessoa praticamente compreendesse que esquerda e direita são uma coisa só, daí as confusões espaciais e de movimentos coordenados. Lembro-me que era braba essa confusãozinha de direita/esquerda e durante um bom tempo eu utilizava de um recurso visual para lembrar-me quem era quem: usava uma fitinha vermelha amarrada ao braço esquerdo para diferencia-lo do direito; fiz isso durante uns anos até que me libertei da referencia visual, entretanto quando tenho que dizer a alguém coisas do tipo: “caminhe e vire a sua direita ou esquerda...” eu paro um pouquinho para localizar quem é quem.

Nada de mais. Gosto de ser ambidestra, encaro como se eu tivesse um bônus, algo como uma ferramenta adicional mais prática, e que para utilizá-la basta compreendê-la como tirar vantagem disso. Foi o que fiz ao longo dos anos. Há pesquisas que dizem que quanto mais os dois lados do cérebro são amplamente exercitados/estimulados, mais chances de o individuo alcançar potencialidades de inteligência emocional, de criatividade artística, e linguísticas inimagináveis. Leonardo da Vinci era ambidestro (e disléxico também), acho que ele soube mesmo tirar vantagens disso... Na minha humilde compreensão, também busco conhecer e desenvolver minhas potencialidades o máximo possível. Essa curiosidade sobre mim mesma é um excelente combustível rumo ao conhecimento das coisas.

Esse também é um ponto inerente da Educação Somática: resgatar o individuo de si mesmo, abrindo caminho para seu autoconhecimento e potencialidades. Realmente adoro as aulas de Educação Somática na Dança de profº Saulo, como há relatos em meus diários de bordo anteriores, desde o inicio as reações positivas acontecem quase de imediato, como se meu psicofísico apenas esperasse os estímulos adequados para manifestarem essa lembrança celular em estado latente.

É tão gratificante, é como se eu passasse por etapas de minha autodescoberta em estado ainda infantil, porém com a consciência já desenvolvida... coisa como se eu tivesse a chance de revisitar lembranças e consertar o sentimento de quando elas aconteceram, e alcançar esse resgate e cura psicofísica através da prática somática. Acho isso incrível: a compreensão da memoria celular do individuo através de seu corpo físico em movimento harmônico com a respiração.

Após passarmos pelas etapas  dos exercícios de respiração celular, fomos para a prática na dança. Exploramos e executamos uma dança pessoal a partir dos movimentos estudados, porém, acrescentando nosso toque pessoal. Sentia-me uma massinha de modelar. Cada participante alcançou sua célula criativa, dando-lhe inicio-meio-e fim; depois mostramos aos colegas em exposição individual. Também é interessantemente lindo observar em um bailarino quando ele executa o movimento de acordo com o fluxo respiratório. O movimento é o individuo inteiro, tudo está conectado: o sentimento, a intenção e o físico. É uma fluidez belíssima.

Foi uma excelente aula. Como sempre, fiquei extremamente relaxada e esse estado me acompanhou durante semanas. Percebo que cada vez mais o alcance dos exercícios práticos de Educação Somática está permanecendo em meu corpo psicofísico de forma mais permanente, graças a Deus. Percebo a olhos vistos a melhoria em minha qualidade de vida através de meu bem-estar interior. Isso é maravilhoso.

*OBS: todos os trechos entre aspas foram retirados do livro:
FERNANDES, Ciane,  O Corpo em Movimento: o sistema Laban/Bartenieff na formação e pesquisa em artes cênicas. 2ª Ed. São Paulo: Annablume, 2006


05 de novembro de 2012
12h46 p.m.