Resumo:
este artigo é uma introdução, onde propomos demonstrar a utilização de uma
abordagem pedagógica empregada em Educação Somática – a flexibilidade da
percepção – como possível ferramenta de analise holística de objetos artísticos
cujo suporte é proveniente fora do âmbito físico-corporal, comumente abordado
em Educação Somática. O objeto de analise escolhido para este exemplo foi o
movimento cinematográfico Nouvelle
Vague francesa.
Palavras-Chave:
Pensamento Somático; Nouvelle Vague; Cinema;
Primeiramente faremos
um pequeno apanhado de quando, como e porque surgiram os métodos de Educação
Somática, que mais tarde tornaram-se um viés para solucionar insatisfações de
bailarinos, coreógrafos, atores e diretores teatrais acerca de seu oficio
enquanto artistas da cena.
O termo Educação
Somática é relativamente recente; a expressão surgiu oficialmente pela primeira
vez no artigo de Thomas Hanna numa publicação de 1983 da revista cientifica
norte-americana Somatics,
onde no mesmo artigo seu autor sugere uma definição para essas praticas tendo a
arte e a ciência de mãos dadas para o mesmo fim: explorar e aceitar as relações
subjetivas internas do sujeito (pensamentos e sentimentos) onde a consciência,
o biológico e o meio-ambiente contribuem em conjunto para a assimilação de
dados relevantes para construção do saber através do autoconhecimento, para
esta abordagem a Educação Somática sinaliza ‘o corpo enquanto experiência’:
[...] corpo físico,
ligado à psique, à alma, ao espirito e submetido a regras sociais e culturais.
O corpo do qual provem e se expressam as sensações, é a um só tempo físico,
psíquico, cultural, social e tem como modelo o corpo do outro. Culturalmente, o
corpo é símbolo e signo, portador de mensagens, de atos físicos e psíquicos.
Como produto social e paradigma de praticas culturais, nele a sociedade
constrói significados e espelha-se.(SIQUEIRA, 2006, p. 59 apud PINTO, 2012, p.13)
Ainda que a expressão
Educação Somática tenha sido mencionada em meados de 1983, há registros de
anotações de pesquisadores autodidatas e artistas da cena que datam de antes da
Primeira Guerra Mundial, e estas anotações formam os pilares dos princípios
fundadores das abordagens em Educação Somática utilizadas ainda nos dias
atuais. E há algo em comum nessas anotações. Em todas as abordagens inovadoras
verifica-se que o ser humano é sempre assimilado e trabalhado como um Ser Total
(o corpo material é indissociável da consciência), ou seja, leva-se em
consideração a existência física, mental e espiritual do individuo como um
todo, para absorção e construção do [auto]conhecimento.
Embora a aceitação do
Ser Total nas abordagens dos exercícios em Educação Somática seja realidade, essa
vertente não está atrelada a nenhuma corrente filosófica ou sistema religioso
como o Hinduísmo, Vedanta, Taoísmo e/ou outra manifestação que abraça a
concepção inseparável dos corpos material, espiritual e mental como expressão
completa do ser humano.
Podemos citar alguns
nomes dos “reformadores do movimento” – termo utilizado por Márcia
Strazaccappa, aos que trouxeram à luz os fundamentos para os exercícios,
estudos e abordagens somáticas. Esses reformadores jogaram-se no mar de
possibilidades exploratórias do movimento, cujo estopim foi a busca da cura
para suas enfermidades não contempladas pela medicina tradicional da época;
como é o exemplo do alemão Joseph Pilates; do ator Mathias Alexander; Moshe
Feldenkrais, dentre tantos. Todavia, reformadores mais recentes do
movimento, não necessariamente foram guiados pela necessidade de superar alguma
limitação psicofísica, mas acrescentaram novos dados baseados na experiência,
àqueles já existentes.
O fato é que por meio
de resultados positivos e satisfatórios através de tentativas concretas
provenientes de exercícios corporais combinados com experiências sensoriais,
surgiram dados empíricos que hoje servem como base para o pensamento fundador
da unificação corpo/espirito importante e presente nas abordagens pedagógicas
da Educação Somática; sendo que essas abordagens posteriormente e de modo
gradativo, começaram a ser utilizadas por pessoas ligadas às Artes Cênicas
(dança e teatro) em companhias de teatro e/ou dança contemporânea, na busca de
maior expressividade dos artistas da cena, por exigências às novas linguagens
na dança e/ou teatro na modernidade.
Tais exercícios de
Educação Somática utilizados nas Artes Cênicas inauguram uma transformação na
pedagogia da dança (principalmente), abrindo espaços para uma pedagogia
“ativa”, exploratória, em oposição à uma ordem pedagógica clássica, rígida
orientada apenas pelo modelo e pela forma mecanicista. Os exercícios somáticos
dão abertura agora à valorização do SENTIR ao que se refere ao artista. Naturalmente essas abordagens
pioneiras de se trabalhar o individuo influenciaram no repasse pedagógico
dentro das faculdades de Cênicas, cujo material de estudo vêm interferindo
beneficamente também nas áreas de Educação, Ensino e Saúde.
Ressaltando que os
métodos propostos pela Educação Somática utilizam técnicas variadas, entretanto
um eixo em comum nessa diversidade de abordagens é proporcionar ao individuo
experiências que o estimulem à propriocepção e auto-regulação dos movimentos.
Essas técnicas visam trabalhar não somente o aspecto material da pessoa, pois
através da consciência corporal do individuo, o mesmo exercita e dilata sua
tecnologia interna (acionando os corpos sensorial e mental) resultando ao
praticante percepções mais aguçadas de si mesmo através de uma orientação
holística interna, estendendo-se estas percepções de autoconhecimento para o
‘exterior’ através de seus atos, ou seja, para o meio ambiente onde o individuo
vive e se relaciona.
Buscando embasamento
na obra do filosofo Merleau-Ponty: Fenomenologia da Percepção,
encontramos a compreensão do conceito de “corpo enquanto experiência”, de
acordo com o que se propõe os exercícios de Educação Somática, correspondendo à
necessidade de se trabalhar o Ser em sua totalidade holística, como explica a
pesquisadora Débora Bolsanello:
A partir da mudança
de paradigma estabelecido pelo pós-Positivismo e do questionamento
epistemológico inaugurado pela Fenomenologia, a experiência humana e a
subjetividade passam a ser validadas como fonte de conhecimento. Para os profissionais
da área de Educação Somática, não é o corpo da pessoa que é abordado, mas a sua
experiência através do corpo. Para tanto, o professor de Educação Somática
utiliza as seguintes estratégias pedagógicas: a sensibilização da pele, o
aprendizado pela vivência e a flexibilidade da percepção. (BOLSANELLO,
2005, p.98).
O que nos interessa
de imediato aqui, é compreender a flexibilidade da percepção como abordagem
pedagógica acionada no individuo através dos exercícios de Educação Somática.
Senão vejamos: a execução das abordagens somáticas em sua prática acontece,
sobretudo, por meio da doxa,
cujo repasse das orientações orais norteia os indivíduos durante o desempenho
dos exercícios somáticos; de modo que todo conhecimento empírico com registros
escritos ainda são relativamente poucos, se comparados à aplicabilidade
transversal dos exercícios somáticos às diversas áreas do conhecimento
psicofísico. Esses registros funcionam mais a titulo de apontamentos técnicos
e/ou como dados de pesquisa de campo para um desdobramento epistemológico sobre
o tema, pois como na área da Educação Somática o conhecimento é atravessado
pela ideia fundamental do ‘corpo teórico’ e/ou do ‘corpo enquanto experiência’,
por onde a percepção do individuo é tecida, armazenada e posta para fora de
maneira empírica, é desse modo que acontece o alcance maior dos exercícios
físicos no corpo mental e espiritual do sujeito (caminho que aciona a
flexibilidade da percepção), ou seja, por meio estritamente da práxis e da doxa.
A permanência da doxa ao longo dos anos se deve à sua
extrema maleabilidade e capacidade de se modelar conforme o discurso de seus
fazedores coletivos e deles anexarem falas outras à doxa. As opiniões da doxa se adaptam às circunstancias, e elas
não advêm de uma instituição (tipo universidades e/ou escolas). Não são
estudadas em livros. A doxa é repassada como um rumor perceptível apenas
pela via sensível de ouvidos aptos para ouvir o ‘imperceptível’, algo como um
“SENTIR O CONHECIMENTO” – uma paixão, onde somente o apaixonado é capaz de
alcançar suas palavras...
Veremos assim, em
relação ao que nos diz respeito – a atividade artística –, a doxa adaptar-se às novas condições da
prática da arte, mesmo que pouco a pouco e com certo atraso em relação à
própria pratica. (...) O trabalho da doxa é visto a partir de então como
trabalho de coesão social; ela oferece a todos sua trama bem tecida, sem
exceção, e esses ‘lugares’ apresentados por ela ao entendimento de todos nos
tornam capazes de nos entendermos uns com os outros. (CAUQUELIN, 2005, p.163, 164).
Desse modo a relação
entre as conexões de ideias e compreensões do individuo percebidas através do
estimulo corporal estendem-se para além do físico, justamente devido ao
exercício corpóreo acionar esses ‘lugares secretos’ da subjetividade do sujeito
proporcionando a flexibilidade da percepção (espacial, interna e externa), o
qual permite à pessoa traçar conexões de entendimentos profundos sobre os
acontecimentos cotidianos, e dessa transversalidade de compreensões e conexões
de ideias, o individuo alarga seu olhar perante os fatos e dados da conjuntura
interior e exterior ao seu corpo (Soma), fazendo o sujeito alcançar que os
fatos sociais interferem consigo de maneiras outras.
A flexibilidade da
percepção então convida o individuo a enxergar e tecer juízos de maneira
holística, ou seja, abre formas de avaliar os fatos levando em consideração a
maioria dos lados em questão, para poder chegar a uma conclusão mais
satisfatória que contemple uma gama maior de dados relacionados. Através do
estimulo de sua tecnologia interna (percepção espacial; de equilíbrio;
sensibilidade auditiva, olfativa, tátil; pensamento e imaginação) o sujeito
instiga suas conexões de pensamento e análise, culminando na dilatação do
entendimento e capacidade de interligar fatos gerais através da aceitação de
que seu próprio Ser Total integra-se na Natureza como sendo um dos elementos
componente dessa Natureza maior, ou seja, o sujeito torna-se mais responsável
por suas ações e escolhas, pois não age apenas para si, mas para todo seu
entorno social.
Assim a flexibilidade
da percepção estimula o individuo compreender que ele tem uma natureza interna
(a sua ‘verdade’) que deve se relacionar com o exterior de si verdadeiramente.
Entretanto a pessoa necessita trabalhar para tornar real e ativa esta
‘verdade’, pois através da harmonia entre seus corpos (mental/emocional,
espiritual e físico), ele pode externar quem de fato é, para que serve, para
que veio ao mundo, para exercer a sua função em sociedade. Ele não se afasta de
si mesmo e não se deixa alienar pelas seduções artificiais provenientes dos
esquemas consumistas do Capitalismo, ou pelos discursos da política dominante,
por exemplo.
Do neoplatonismo, a doxa mantém a ideia de que a arte participa
do Ser e do Um, que seu valor é o mesmo concedido à alma, e que ao celebrar a
arte, está se celebrando a Natureza e Deus. E também que a natureza constitui
ao mesmo tempo o valor a respeitar e o objetivo a perseguir (é preciso
trabalhar para ser natural); é sabido que a natureza (o dom) sem trabalho não
vale nada, mas paralelamente, a doxa nos diz que o trabalho sem o natural é
da mesma maneira nulo. A natureza indica o bom sentido, o caminho a seguir, ela
é um dos principais lugares-comuns da doxa,
mesmo e sobretudo, que não se consiga defini-la. (CAUQUELIN, 2005, p.168).
Partindo dessa
premissa, de que a flexibilidade da percepção traz o individuo para perto da
expressão de seu Ser Total – a sua ‘verdade’, a sua aptidão natural, (e por
consequência tudo o que ele produzir norteado por esta consciência irá resultar
a essência nas coisas produzidas, além é claro, de permiti-lo detectar o que
está fora de seus lugares e enxergar paradoxalmente os caminhos que podem
harmonizar as partes constituintes no Todo no seu universo cotidiano). A pessoa
torna-se apta a inverter a ordem dos fatores dessa coesão que emerge através da
‘verdade’ das coisas – e tratamos aqui do dinâmico ‘jogo estético’ que pode,
deve e está sendo jogado pelos sujeitos em sociedade a todo o momento; com a
diferença que uns (mais que outros), percebem essa relação de liberdade
expressiva genuína. O jogo
estético confere a ATIVIDADE FORMADORA DO SUJEITO, que ordena através da
matéria sensível, impregnada de sentimento, a própria Natureza da qual se
desprendeu. E agindo consciente de si e de seus atos e de sua condição de
‘estar no mundo’, o sujeito transcende.
Para Schiller, o
impulso lúdico se exerce acima das necessidades naturais da vida e independente
dos interesses práticos. É uma manifestação de ordem espiritual, que se
apresenta sobretudo como jogo
estético. Sua função é conciliar a matéria, presente aos sentidos, com a
forma, ato do pensamento, que parece excluir o que é material e sensível. O
impulso lúdico joga com a
Beleza, que Schiller define como forma
ativa. A Beleza surge como convergência do subjetivo com o objetivo, do
sentimento com a forma, que esse impulso determina. Força eminentemente livre,
o jogo estético neutraliza tanto o rigor das formas abstratas, produzidas pelo
intelecto, quanto a imediatilidade das sensações passageiras, e, “dando forma à
matéria e realidade à forma”, liberta o homem do jugo da Natureza exterior e
das exigências racionais exclusivistas. Por aí se vê que o jogo estético é uma
afirmação do espirito, que pressupõe a liberdade. De fato, é preciso que o
homem já tenha conquistado um alto grau de autonomia espiritual para jogar com
a matéria e com a forma. (NUNES, 2006, p. 55).
Como sugere a
filósofa, teórica e artista Anne Cauquelin em passagem em seu livro Teorias
da Arte, o aspecto da ‘essência’, seja na obra de arte seja em qualquer
outa coisa, dá-se através pela busca da Verdade, pois esta é a revelação do Bem
e do Belo, e se ‘belo’ é ser ‘bom’ e ser ‘verdadeiro’ em sua essência.
Assim, partindo do raciocínio holístico, análogo ao proposto pela flexibilidade
da percepção, cuja analise não descarta
nenhuma hipótese para se chegar à conclusão, quando falamos da
reviravolta que o cinema mundial viu e impactou-se através do movimento
da Nouvelle Vague francesa, entramos no campo desta subversão
da ordem de valores estéticos, culturais, econômicos e políticos.
Conforme a flexibilidade da percepção nos convida a observar a
maioria dos lados da questão para se chegar a uma conclusão mais abrangente (e
para este proceder especifico eu chamo de ‘pensamento
somático’), vamos tecer hipóteses sobre o porquê de jovens críticos de
cinema, (que a principio não eram nem cineastas), subverteram a ordem das
regras estéticas do audiovisual, culminando no movimento Nouvelle Vague.
Retomando a questão
sobre a essência de que todo produto artístico para ser considerado
verdadeiramente ‘arte’, tal fruto deve obedecer a um conjunto de regras para
sua produção, e assim espelhar sua ‘verdade’, Partiremos desta primeira
hipótese: o incomodo maior que os idealizadores da Nouvelle Vague francesa sentiram ao assistirem os
filmes franceses da década de 1950.
Este grupo era
formado por jovens teóricos, críticos, pensadores e profundos estudiosos
da história do cinema e de sua respectiva linguagem, portanto capazes de
detectar esta falta de ‘verdade’ dentro do jogo estético dos filmes
produzidos em meados da década de 1950. Era como se a linguagem do cinema
estivesse estagnada às formulas artesanais desde à época de seu nascimento. Jean-Luc Godard, Alain Resnais, André
Bazin, François Truffaut, Claude Chabrol, Jacques Rivette e Eric Rohme –
“Os Jovens Turcos”, como também eram apelidados pela mídia da época, externaram
sua insatisfação com este descompasso estético dissociado de forma, conteúdo
político e poético nos filmes na atualidade da década em que viviam. Primeiro
gritou-se o manifesto de François Truffaut intitulado “Política dos Autores”;
depois de um tempo, alguns rapazes do grupo arregaçaram as mangas e partiram
para experimentos totalmente livres, subvertendo os paradigmas que regiam as
regras (até então) que validavam o jogo estético do audiovisual.
Os idealizadores do
movimento Nouvelle Vague queriam ressuscitar essa ‘verdade’ da
linguagem cinematográfica. Seguindo
o raciocínio das Teorias Injuntivas, que explica que para o objeto produzido
ser considerado ‘arte’, ele dispõe de uma serie de regras para tornar-se
verdadeiro dentro de uma premissa artística; podemos intuir que quando os
Jovens Turcos se propuseram a subverter as regras da produção audiovisual em
prol da evolução da linguagem cinematográfica através do que se intitulou como Nouvelle Vague francesa, eles automaticamente
introduziram novos dados dentro do processo criativo no cinema, e por isso
mesmo sugerem outro caminho para a ‘verdade’ do produto artístico audiovisual
ser alcançada, posto que a Arte é algo subjetivo susceptível de regras
dinâmicas, como explica Anne Cauquelin:
A arte é então ‘uma
disposição de produzir (poiésis) acompanhada de regras’. Produzir é trazer
à existência uma das coisas que são suscetíveis de ser ou de não ser e cujo
principio de existência reside no artista. Nessa ótica uma produção é julgada
por sua conformidade às regras ‘verdadeiras’ que foram seguidas. Caso tenha
seguido as regras falsas terá falhado. O que importa ao teórico da arte é,
então, enunciar essas regras verdadeiras e, diante disso, avaliar os
meios e a matéria da produção de acordo com os fins que ela se dispõe a
alcançar. Daí o interesse em classificar os fins e ver como se articulam os
gêneros e as espécies. (CAUQUELIN,
2005, p.59-60).
Nesse raciocínio, há
farta literatura de teorias sobre a Arte, as quais expressam que o produto
artístico nasce mediante regras inerentes ao seu processo de produção, para ser
reconhecida como tal; regras estas detectadas e validadas pelos teóricos de
arte ao longo da historia da civilização humana, porém vale lembrar que por
tratar-se de uma produção mimética, a produção artística naturalmente adere em
seu processo de realização fatores dinâmicos, abertos a novos canais
expressivos inerentes à subjetividade do artista, e essa produção é alcançada
através de erros e tentativas, ou seja, através também de uma pitada
proveniente da práxis.
Se termos em mente
que toda arte é produção acompanhada de regras, compreenderemos de imediato que mimesis não é cópia de um modelo, pálido
decalque da ideia, afastada da verdade em muitos graus, como era o caso para
Platão. Ela é antes de tudo fabricadora, afirmativa, autônoma. Se ela repete ou
imita, o que repete não é objeto, mas um processo: a mimesis produz do mesmo modo como a natureza
produz, com meios análogos, com vista a dar existência a um objeto ou a um ser;
a diferença se deve ao fato de que esse objeto será um artefato, que esse ser
será um ser de ficção.
(...) O produto de ficção é tão real quanto o gerado pela natureza, apenas não
pode ser avaliado de acordo com os mesmos critérios. Para a natureza, os seres
que ela produz são como eles são: ele sabe o que faz, e o faz bem, suas regras
de produção são imanentes (mesmo que aconteçam vez por outra, muito raramente,
erros de programação – por exemplo, monstros por falta ou por excesso). Não
acontece a mesma coisa com os seres de ficção; o que é o processo interior na
natureza, está no artefato, submetido à exterioridade e, portanto, à
contingencia. (CAUQUELIN, 2005,
p.61-62).
Para se compreender
como esse salto evolutivo da linguagem cinematográfica emergiu através do
movimento Nouvelle Vague, invocamos a AUTONOMIA DA ARTE,
que é a faculdade que dispõe a arte de não apenas romper com as outras espécies
de discursos da razão (o que a autonomia promete), como ainda tornar ineficaz o
funcionamento desses discursos.
[...] a obra ‘em si’
não existe realmente; ela se diz ‘obra’ por meio e com a condição de ser posta
em determinada forma, de ser posta em ‘sítio’. Fora do sítio, que a teoria
construiu e que as teorizações mantêm vivo, ela não é nada. São necessárias
essas mediações, todo esse trabalho tecido incansavelmente pelo comentário,
para que seja reconhecida como obra. Pois nenhuma atividade – e a arte não
escapa dessa condição – pode ser exercida fora de um sítio que lhe dê seus
limites, determine os critérios de validade e regule os julgamentos que serão
tecidos a seu respeito. (CAUQUELIN, 2005, p.21)
Agreguemos à falta de
eficácia do jogo estético do cinema nos anos anteriores à explosão da Nouvelle Vague, outro possível
dado relacionado ao surgimento deste movimento cinematográfico: a conjuntura
política do período de 1950 na França, pois:
Quando se trata de um
objeto de arte, o processo de reconhecimento deve levar em conta o contexto
sociocultural e politico – auxiliar indispensável ao reconhecimento
efetivo de um objeto de arte enquanto tal –, e sua constituição em ‘símbolo’
deve muito ao lugar que esse objeto ocupa no sistema de trocas econômicas e
culturais. (CAUQUELIN, 2005, p.
120).
Na esfera da compreensão
do RELATIVISMO CULTURAL, toda manifestação criativa que traz referencia
histórica e social de um povo é aceitável enquanto cultura dentro do universo
das civilizações humana como um todo, onde os discursos obedecem e são
compreendidos dentro de cada nicho cultural onde foram engendradas.
A importância dos
signos – segundo investigações profundas de Pierre Bourdieu – engloba os
valores materiais: de uso e de troca; e valores imateriais: simbólico e
afetivo, estes valores são amplamente explorados no discurso cinematográfico da Nouvelle Vague francesa, anexando a esta expressão
artística uma larga abrangência comunicativa ao publico que frequentou o cinema
a fim de ver os filmes provenientes desse novo dialogo audiovisual. Muito
embora, esses signos se apresentassem de maneira notoriamente inovadora,
aparentemente desorientada e de certa forma dinâmica, exigindo de seu
espectador novas maneiras de decodificar tais relações de compreensão
linguística cognoscíveis, cujo publico não estava habituado (nem experimentado
anteriormente tais conexões de compreensão do discurso audiovisual), e por isso
mesmo os filmes nascidos sobre a alcunha da Nouvelle
Vague geraram profundo
estranhamento tanto no publico quanto da crítica especializada em meados de
1958, como a qualquer pessoa ainda hoje que contemple pela primeira vez esses
discursos.
Vale salientar que tais ‘quebras’ ou subversões das regras
linguísticas em determinado discurso artístico é semelhante aos saltos
evolutivos de espécies na Natureza. O surgimento da Nouvelle Vague no
universo do audiovisual assemelha-se ao que se propõe o relativismo cultural
que abraça (e interfere) igualmente o conjunto dos processos sociais de
significação (e/ou) o conjunto de processos de produção, circulação e consumo
da significação na vida social; portanto, admitem a existência dos discursos
linguísticos explorados através da Arte, a partir do momento em que estes
discursos dialogam em algum grau com seu receptor (o publico), seja no seu
aspecto sensorial, seja no dinamismo comportamental.
Por hora, estes foram os primeiros recortes tecidos utilizando a
Flexibilidade da Percepção como ferramenta de análise holística, sobre alguns
lados de questões que poderiam ter corroborados para a explosão criativa, que a
história do Cinema conhece sob a alcunha de Nouvelle
Vague.
Hellen
Katiuscia de Sá
Escrito
em: 18, 19, 20 e 21 de maio de 2013.
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Conceitos de Descondicionamento Gestual,
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<http://www.periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/article/viewFile/2175-8042.2011v23n36p306/19656>. Acessado
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<http://www.revistarepertorioteatroedanca.tea.ufba.br/13/arq_pdf/educacaosomatica.pdf>
Acessado em: 22 dez. 2012.
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