ESCOLA
DE TEATRO E DANÇA DA UFPA
GRUPO
DE PESQUISA E EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO SOMÁTICA NA DANÇA
Coordenação:
Profº Mestre Saulo Silveira
No
encontro do dia 26/11/2012 lemos e discutimos o artigo “Como Fazer a Dança
Própria?”, de autoria de Ana Milena Navarro Busaid. O texto dela baseia-se em conclusões
galgadas em cima das pesquisas do dramaturgo e ensaísta André Lepecki sobre sua
proposta artístico-experimental catalogada na ontologia dos movimentos da dança
e sua hegemonia, nos processos de
subjetivação do sujeito e no fazer artístico, com o objetivo de abrir caminhos
para que o bailarino construa sua dança própria, eliminando ideias
pré-estabelecidas sobre conceito de dança na modernidade.
Ao ler
o texto entramos em contato com o que normalmente está anexado à ideia de
dança: sempre agarrada à execução do movimento (‘fluxo e continuidade do
movimento’), assim como para André Lepeck, também fica bastante enfatizado para
muitos artistas de outras áreas, até mesmo estudantes de dança e público em
geral, de que uma composição de dança para ser considerada ‘dança’ está
vinculado ao coreografado fixo, este é o pensamento hegemônico na modernidade
acerca deste conceito.
E para
desprender tal concepção de rigidez do movimento coreografado, André Lepeck
busca associações entre Política, Filosofia e Dança para promover esse Apartheid,
e vigorar novas compreensões e leituras do movimento não apenas pelo movimento
corporal do bailarino, mas também conceituado numa amplitude irmanada a outros
campos do conhecimento, abrindo espaço inclusive, para que o próprio bailarino-criador
descubra e/ou imprima sua própria leitura sobre seu movimento, algo como
agregar valores subjetivos para dar significação e mais vigor à sua
apresentação.
No decorrer
do artigo Ana Milena Busaid enfatiza a frase de Lepecki: “a dança imbrica-se
ontologicamente com o movimento, é isomorfa com respeito ao movimento” (LEPECKI,
2008), isso quer dizer que durante décadas a dança foi sempre associada e
estudada apenas em consideração do movimento coreografado. E essa ruptura do
conceito ontológico de ‘dança’ surge no cenário artístico mundial através da
dança contemporânea que alarga a atuação do bailarino concedendo-o a inserção
de diversos tipos de movimentos e expressividades, inclusive, ‘fora’ do que
seja ‘usualmente’ dança.
Para
se chegar a este estágio criativo, segundo Lepecki, o bailarino necessita passar por três eixos
para zerar seu corpo e permitir-se escutar até que brote de seu amago a ‘dança
pessoal’, anexando a concepção de corpo como unidade linguística . São eles:
esvaziar o corpo; afastar a ideia do ‘eu’; e criação da dança própria. Desse modo
concebe-se ao corpo do bailarino uma escrita própria (impressões subjetivas,
memória emotiva, bagagem de movimentos de tipos de danças outras que estão
impressas no soma do bailarino, mas que agora não estão coreografados, servindo
apenas como conhecimento acumulado), e estes pontos ajudarão o
bailarino-criador a ‘escrever’ seu discurso através dos movimentos na sua dança
pessoal, tornando-se o individuo uma entidade linguística.
Lembro-me
que no Teatro utilizamos o que usualmente chamamos de ‘pagina em branco’, que é
zerar nossos trejeitos inerentes (maneira de falar; andar; agir; sorrir; se
comportar; etc...) para dar passagem ao discurso da personagem. E igualmente
como propõem Lepecki, para que o bailarino-criador chegue nesse ‘zerar’ ele
precisa apagar a rigidez coreográfica em seu movimento corporal no momento de
criar sua dança própria, dando passagem ao fluxo continuo do movimento sem tensão
ou rigidez, através do fluxo respiratório.
Parece
meio paradoxal, mas não é. Como a Educação Somática sugere o individuo sendo entidade
em transito, ou seja, em transformações constantes conforme novas descobertas
de si mesmo, imprimindo novos discursos de si mesmo, o bailarino-criador também
deve observar-se, ajuntando adaptar-se ao que deseja expressar.
Também
me veio à associação da dança-teatro Butoh (da qual gosto muito e particularmente
tenho predileção para meu trabalho de palco), ou melhor dizendo: Ankoku Butoh: ‘dança
das trevas’ em tradução para o português. Este ‘estilo’, digamos assim, de se
fazer dança-teatro é um conceito contemporâneo da forma, normalmente diz-se que
seus criadores foram os japoneses Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno. O Butoh Surgiu
após diversas observações e pesquisas de Tatsumi Hijikata de dançarinos de cabarés, teatro
tradicional japonês, performers, técnicas tradicionais de danças ocidentais, das vanguardas europeias tais como cubismo, expressionismo e surrealismo; etc...
e principalmente da concepção de ‘dança’ partilhada por ele e Ohno de que o
dançarino não dança para si, mas para reviver algo muito maior.
E
de acordo com suas pesquisas de movimento corporal do bailarino, Hijikata catalogou
movimentos e dispôs em algo único. Nas palavras de Ohno sobre o Butoh, ele diz:
“ Butoh é uma das mais arrojadas formas de dança contemporânea única do Japão. Expressa
ao mesmo tempo tantas ideias diferentes que é impossível defini-la. Ela somente choca e surpreende”.
Interessante
lembrar também que essa dança-teatro surgiu à margem das tradicionais e
clássicas formas de dança no Japão, e por isso mesmo por alguns anos não foi
aceita como dança ou expressão artística do gênero, sendo apresentada apenas em
lugares não muito considerados... na década de 50 no pós II Guerra, o Butoh
tinha um forte discurso político e de contestação social frente aos traumas
gerados na recente história do Japão. O Butoh neste contexto servia de discurso
corporal e imagético da dor da perda e da humilhação sentida pelos cidadãos japoneses,
cuja nudez dos bailarinos e severidade das formas contorcidas em seus corpos estão
intrinsecamente ligados a imagens mentais de seus interpretes, gerando por isso
uma dança pessoal não coreografada.
Essa
aceitabilidade do que seja dança, também é contestada por Lepecki em seu
texto-base para o artigo de Ana Milena Navarro Busaid. Como igualmente acontece
no Butoh, cuja improvisação torna-se necessária no momento da apresentação,
gritando ao mundo a concepção intransferível de dança pessoal de seu interprete,
onde cada apresentação do mesmo tema é única; também é compreendido no conceito
desprendido da ontologia da dança que discorre sobre a hegemonia do movimento
das formas para que apenas algo coreografado seja entendido como dança.
Nesse
contexto abrem-se possibilidades ao bailarino-criador para tentativas e experiências
do movimento, libertação da técnica, e ruptura das formas rígidas da
coreografia desembocando numa criação autentica de dança (dança pessoal), uma
dança que não é fixa.
Para
fechar meu texto de diário de bordo, anexo a ele dois vídeos para ilustrar esse
conceito de dança pessoal sem coreografias rígidas, dança galgada em imagens
subjetivas de seus interpretes-criadores e por isso injetando novos discursos linguísticos
e corpóreos para quem faz e contempla. O primeiro vídeo – PILOBOLUS – é uma apresentação
de dança-teatro contemporânea; o segundo vídeo um exemplo das mais variadas
formas expressivas de Butoh.
04 de dezembro de 2012
06h13 p.m.
Grupo PILOBOLUS
Performance de Butoh
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