terça-feira, 4 de dezembro de 2012

TEXTO Nº10 - Katiuscia


ESCOLA DE TEATRO E DANÇA DA UFPA
GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO SOMÁTICA NA DANÇA
Coordenação: Profº Mestre Saulo Silveira


No encontro do dia 26/11/2012 lemos e discutimos o artigo “Como Fazer a Dança Própria?”, de autoria de Ana Milena Navarro Busaid. O texto dela baseia-se em conclusões galgadas em cima das pesquisas do dramaturgo e ensaísta André Lepecki sobre sua proposta artístico-experimental catalogada na ontologia dos movimentos da dança e sua hegemonia,  nos processos de subjetivação do sujeito e no fazer artístico, com o objetivo de abrir caminhos para que o bailarino construa sua dança própria, eliminando ideias pré-estabelecidas sobre conceito de dança na modernidade.

Ao ler o texto entramos em contato com o que normalmente está anexado à ideia de dança: sempre agarrada à execução do movimento (‘fluxo e continuidade do movimento’), assim como para André Lepeck, também fica bastante enfatizado para muitos artistas de outras áreas, até mesmo estudantes de dança e público em geral, de que uma composição de dança para ser considerada ‘dança’ está vinculado ao coreografado fixo, este é o pensamento hegemônico na modernidade acerca deste conceito.

E para desprender tal concepção de rigidez do movimento coreografado, André Lepeck busca associações entre Política, Filosofia e Dança para promover esse Apartheid, e vigorar novas compreensões e leituras do movimento não apenas pelo movimento corporal do bailarino, mas também conceituado numa amplitude irmanada a outros campos do conhecimento, abrindo espaço inclusive, para que o próprio bailarino-criador descubra e/ou imprima sua própria leitura sobre seu movimento, algo como agregar valores subjetivos para dar significação e mais vigor à sua apresentação.

No decorrer do artigo Ana Milena Busaid enfatiza a frase de Lepecki: “a dança imbrica-se ontologicamente com o movimento, é isomorfa com respeito ao movimento” (LEPECKI, 2008), isso quer dizer que durante décadas a dança foi sempre associada e estudada apenas em consideração do movimento coreografado. E essa ruptura do conceito ontológico de ‘dança’ surge no cenário artístico mundial através da dança contemporânea que alarga a atuação do bailarino concedendo-o a inserção de diversos tipos de movimentos e expressividades, inclusive, ‘fora’ do que seja ‘usualmente’ dança.

Para se chegar a este estágio criativo, segundo Lepecki,  o bailarino necessita passar por três eixos para zerar seu corpo e permitir-se escutar até que brote de seu amago a ‘dança pessoal’, anexando a concepção de corpo como unidade linguística . São eles: esvaziar o corpo; afastar a ideia do ‘eu’; e criação da dança própria. Desse modo concebe-se ao corpo do bailarino uma escrita própria (impressões subjetivas, memória emotiva, bagagem de movimentos de tipos de danças outras que estão impressas no soma do bailarino, mas que agora não estão coreografados, servindo apenas como conhecimento acumulado), e estes pontos ajudarão o bailarino-criador a ‘escrever’ seu discurso através dos movimentos na sua dança pessoal, tornando-se o individuo uma entidade linguística.

Lembro-me que no Teatro utilizamos o que usualmente chamamos de ‘pagina em branco’, que é zerar nossos trejeitos inerentes (maneira de falar; andar; agir; sorrir; se comportar; etc...) para dar passagem ao discurso da personagem. E igualmente como propõem Lepecki, para que o bailarino-criador chegue nesse ‘zerar’ ele precisa apagar a rigidez coreográfica em seu movimento corporal no momento de criar sua dança própria, dando passagem ao fluxo continuo do movimento sem tensão ou rigidez, através do fluxo respiratório.

Parece meio paradoxal, mas não é. Como a Educação Somática sugere o individuo sendo entidade em transito, ou seja, em transformações constantes conforme novas descobertas de si mesmo, imprimindo novos discursos de si mesmo, o bailarino-criador também deve observar-se, ajuntando adaptar-se ao que deseja expressar.

Também me veio à associação da dança-teatro Butoh (da qual gosto muito e particularmente tenho predileção para meu trabalho de palco), ou melhor dizendo: Ankoku Butoh: ‘dança das trevas’ em tradução para o português. Este ‘estilo’, digamos assim, de se fazer dança-teatro é um conceito contemporâneo da forma, normalmente diz-se que seus criadores foram os japoneses Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno. O Butoh Surgiu após diversas observações e pesquisas de Tatsumi Hijikata de dançarinos de cabarés, teatro tradicional japonês, performers, técnicas tradicionais de danças ocidentais, das vanguardas europeias tais como  cubismo, expressionismo e surrealismo; etc... e principalmente da concepção de ‘dança’ partilhada por ele e Ohno de que o dançarino não dança para si, mas para reviver algo muito maior.

E de acordo com suas pesquisas de movimento corporal do bailarino, Hijikata catalogou movimentos e dispôs em algo único. Nas palavras de Ohno sobre o Butoh, ele diz: “ Butoh é uma das mais arrojadas formas de dança contemporânea única do Japão. Expressa ao mesmo tempo tantas ideias diferentes que é impossível  defini-la. Ela somente choca e surpreende”.

Interessante lembrar também que essa dança-teatro surgiu à margem das tradicionais e clássicas formas de dança no Japão, e por isso mesmo por alguns anos não foi aceita como dança ou expressão artística do gênero, sendo apresentada apenas em lugares não muito considerados... na década de 50 no pós II Guerra, o Butoh tinha um forte discurso político e de contestação social frente aos traumas gerados na recente história do Japão. O Butoh neste contexto servia de discurso corporal e imagético da dor da perda e da humilhação sentida pelos cidadãos japoneses, cuja nudez dos bailarinos e severidade das formas contorcidas em seus corpos estão intrinsecamente ligados a imagens mentais de seus interpretes, gerando por isso uma dança pessoal não coreografada.

Essa aceitabilidade do que seja dança, também é contestada por Lepecki em seu texto-base para o artigo de Ana Milena Navarro Busaid. Como igualmente acontece no Butoh, cuja improvisação torna-se necessária no momento da apresentação, gritando ao mundo a concepção intransferível de dança pessoal de seu interprete, onde cada apresentação do mesmo tema é única; também é compreendido no conceito desprendido da ontologia da dança que discorre sobre a hegemonia do movimento das formas para que apenas algo coreografado seja entendido como dança.

Nesse contexto abrem-se possibilidades ao bailarino-criador para tentativas e experiências do movimento, libertação da técnica, e ruptura das formas rígidas da coreografia desembocando numa criação autentica de dança (dança pessoal), uma dança que não é fixa.

Para fechar meu texto de diário de bordo, anexo a ele dois vídeos para ilustrar esse conceito de dança pessoal sem coreografias rígidas, dança galgada em imagens subjetivas de seus interpretes-criadores e por isso injetando novos discursos linguísticos e corpóreos para quem faz e contempla. O primeiro vídeo – PILOBOLUS – é uma apresentação de dança-teatro contemporânea; o segundo vídeo um exemplo das mais variadas formas expressivas de Butoh.


04 de dezembro de 2012
06h13 p.m.


Grupo PILOBOLUS


  
Performance de Butoh




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