quarta-feira, 28 de novembro de 2012

TEXTO Nº09 - Katiuscia

ESCOLA DE TEATRO E DANÇA DA UFPA
GRUPO DE PESQUISA E EXTENSÃO EM EDUCAÇÃO SOMÁTICA NA DANÇA
Coordenação: Profº Mestre Saulo Silveira


No encontro do dia 19/11 fomos assistir à palestra dos professores Paulo Lima e Eliana Felipe no I Encontro de Formação Interdisciplinar do Curso de Licenciatura em Educação Física da UFPA. O assunto discorria sobre o conceito de ‘corpo’, pertinente à concepção de ‘corpo soma’ em Educação Somática.

Profº Paulo Lima iniciou com um breve apanhado histórico sobre o conceito de ‘corpo’ conforme as ideias dominantes nas sociedades ocidentais, e a cada palavra ficava evidente a alienação do ser humano sobre si mesmo. Na Idade da Pedra, o Homo Sapiens sequer tinha noção de si enquanto sujeito, sobressaindo apenas o instinto de sobrevivência; nos séculos seguintes o individuo era exposto à barbárie de seus semelhantes em busca de reconhecimento territorial e de riquezas expressas através de suas posses e aparência, ignorando a existência de uma Alma. Na Idade das Trevas, o homem era tolhido de seus desejos e pensamentos (renegando sua alma) em troca da mutilação da carne, e com esse ato perverso dissociando-os... (igualmente alienando-se de si e de suas potencialidades de se auto-regular, devido ao fato de compreender-se apenas de maneira homogênea, apartada de um ‘todo’). No período Iluminista da História das Civilizações Ocidentais, o homem rejeita a ideia de ‘alma’ reafirmando o físico, permanecendo com um olhar unilateral sobre si mesmo.

E na grande Revolução Industrial eis que o homem torna-se máquina! Uma máquina orgânica, concebendo a si próprio o que mais tarde evoluiria para a denominação mecanicista do corpo: um corpo forte, saudável apenas para gerar produtos (e sentimentos) em séries. O ser humano era produzido e consumido em série, impossibilitado de saber-se individual e com particularidades, tinha direito de ser apenas a massa amorfa e adestrada... quem escapasse desses ‘padrões’ era ainda mais marginalizado (um bom exemplo disso está nos filmes “Os Incompreendidos” e “Firenheit 457”, ambos de François Truffaut – o próprio movimento cinematográfico da Nouvelle Vague francesa pode ser exemplo dessa ‘marginalização’ comportamental).

De meados de 1888 para cá, as coisas não mudaram muito de prisma, porém acrescentaram-se novas concepções da ideia de ‘corpo’. Agora somos ‘virtuais’, com várias personalidades e aparências nas Redes Sociais da Internet; somos mais ainda dominados pela (es)cultura do corpo talhado (visão mecanicista/ corpo possuído), temos de ser felizes 24 horas por dia... e com isso manipulados pela mídia mancomunada com a Indústria que nos deseja vender emoções embaladas à vácuo. As partes isoladas e manipuladas sem nunca sentirem-se unidas ao todo. Não temos a concepção do ‘corpo completo’, sempre falta algo... que é momentaneamente sanado pelo consumo de algo ou buscado no outro.

Com essa venda da ideia de que o individuo está sempre pela metade de si mesmo, o Capitalismo se esbanja dominador de sentimentos e desejos ocultos das pessoas. Somando-se a ideia de ‘falta’ a mídia dissemina a cultura do medo nas pessoas, vindo junto o aprisionamento sutil  das criatividades individuais, e com isso as manifestações de ideias autenticas são discriminadas e segregadas a guetos. O interessante que esses ‘guetos’ vêm a ser muitas vezes grupos de pessoas que manifestam-se por meio das Artes, e geram com isso novas formas de percepções de realidade e também concepções de si mesmo, escapando a vulgaridade estabelecida.

E são essas realidades subjetivas que nos interessa dialogar com a abordagem da Educação Somática; o estado de potencia em conceber novas formas de saberes, ou seja, com o simples ato de criar algo, esses indivíduos reproduzem o mundo e a si mesmos, tendo como fonte de conhecimento seu corpo interligado (soma+físico), ou seja: o corpo enquanto experiência. Aqui já entram as falas da profª Eliane Felipe em torno de ‘corpo objeto, ‘corpo sujeito’, ‘corpo sujeito histórico’. E como o Sistema/status quo/Matrix combate fervorosamente a ideia de ‘conhece-te a ti mesmo’, justamente para negar à massa o direito de livre escolha sobre como proceder no mundo e reinventá-lo reinventando a si próprio.

Pois através da cultura do medo, da cultura consumista, da competitividade de economia hegemônica muitos povos ao redor do mundo ainda se encontram em estágios subdesenvolvidos; desse modo, várias sociedades estão na esfera da necessidade sobrepujando o desenvolvimento da capacidade afetivo-criativa que leva o Ser ao estágio de delicadeza e compreensão de sutilezas perceptíveis somente a indivíduos mais sensibilizados e conectados ao seu corpo soma.

Cabe ao profissional/educador que trabalha com as percepções voltadas ao corpo soma trazer à Luz esse conhecimento aos indivíduos sob sua tutela (seja na escola, seja em academias de ginásticas, seja no mundo acadêmico das universidades) para que através de uma reeducação psicofísica a sociedade evolua, que atente para o ‘uso capitalista do discurso’ para não se deixar enganar pela manipulação de pensamentos e agires, pois a relação de poder no dia-dia gera a cristalização da sensibilidade e olhares de mundos; isso fertiliza conflitos desiguais entre as pessoas; segrega ao invés de se compreender o TODO, pois este manifesta-se em pedaços, cada um de nós possui um conhecimento e olhar dele e nele, então se levantarmos barreiras impondo ideias ao passo de nos juntarmos e ouvir o outro e a nós próprios com liberdade de escolha consciente de nossos atos, estaremos cegando a nós mesmos.

A educação Somática nos faz perceber que somos partes de um todo de nós mesmo e de algo maior, pois tudo está conectado... lembranças de uma frase matusalêmica: “ame o próximo como a ti mesmo”.

Ia esquecendo de acrescentar também algo que prof. Paulo Lima mencionou ao final de sua explanação. Ele considerou o estado de 'conflito' como sendo um estágio benéfico para a evolução e transformação do ser humano, pois o conflito gera ação, e ação gera pensamentos e escolhas, e escolhas nos leva ao estado de 'jogo'; jogo aqui no sentido de dar reviravoltas nas peças que constituem nosso dia-dia, e com isso estarmos abertos e flexíveis para mudanças: eis o estado de jogo que as crianças, principalmente, conseguem desfrutar tão bem pelo fato de ainda não estarem totalmente 'domesticadas' e engajadas na engrenagem do 'padronizado'. A vida é uma maravilhosa aventura! Um jogo de montar e desmontar conforme nossa vontade (e coragem) própria.

Para finalizar a página de meu diário de bordo, tomarei emprestada a letra da música PAVÃO MISTERIOSO, escrita por José Ednardo Soares Costa Sousa, imortalizada na voz de Ney Matogrosso:

“Pavão misterioso
Pássaro formoso
Tudo é mistério
Nesse teu voar
Ai se eu corresse assim
Tantos céus assim
Muita história
Eu tinha pra contar...


Pavão misterioso
Nessa cauda
Aberta em leque
Me guarda moleque
De eterno brincar
Me poupa do vexame
De morrer tão moço
Muita coisa ainda
Quero olhar...


Pavão misterioso
Pássaro formoso
No escuro dessa noite
Me ajuda cantar
Derrama essas faíscas
Despeja esse trovão
Desmancha isso tudo, oh!

Que não é certo não...

Pavão misterioso
Pássaro formoso
Um conde raivoso
Não tarda a chegar!
Não temas minha donzela
Nossa sorte nessa guerra
Eles são muitos
Mas não podem voar...”



29 de novembro de 2012
03h51 a.m.



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